Julieta Nogueira: psicóloga de formação; carreira na área de Recursos Humanos em diferentes segmentos; consultora atuando em projetos de governança corporativa e no desenvolvimento de executivos/líderes e profissionais de RH, por meio de coaching e mentoring.
“Gosto muito de conhecer e trabalhar com novas pessoas e novas organizações e aplicar minha experiência para contribuir para o desenvolvimento de indivíduos e empresas”.
Definir o que é cultura organizacional não é algo trivial e simples e muito mais complexo e trabalhoso é o processo de intervenção visando sua transformação.
Para começar a conceituar, parto da premissa de que cultura é o conjunto de crenças, valores, comportamentos e práticas de uma organização, construídas e sedimentadas ao longo do tempo, de maneira deliberada ou não.
Podemos observar e entender uma cultura organizacional por meio de seus rituais de gestão e dos comportamentos predominantes dos indivíduos. Dois bons exemplos de rituais de gestão são: a maneira de conduzir reuniões e a prática de avaliação de desempenho dos profissionais. Temas, periodicidade e participantes das reuniões são símbolos da cultura instalada, bem como os critérios de avaliação dos profissionais, se predominantemente fundamentados em processos e competências técnicas ou em habilidades de relacionamento e de liderança. Também como exemplos ,alguns símbolos de comportamentos predominantes de líderes e colaboradores são: grau de participação nas reuniões e eventos, quem fala primeiro nas discussões e debates, o estilo de comunicação dos líderes, todos eles reveladores de uma cultura mais aberta e participativa ou, ao contrário, mais hierárquica e diretiva.
Uma outra importante dimensão da cultura empresarial é revelada por sua estratégia de negócios :se mais voltada para o mercado/ cliente/consumidor ou se focada em seus produtos e processos internos. Culturas mais abertas, que interagem melhor com o mundo exterior – mercado, concorrentes e clientes – tendem a ser mais duradouras e existem bons e maus exemplos na história recente da administração, no mundo e no Brasil. Cultura e estratégia são extremamente interligadas. Há uma frase emblemática sobre isso: “a cultura come a estratégia no café da manhã”. *
Toda cultura organizacional possui seu lado sol – forças e alavancas para a prosperidade -e seu lado sombra – traços que podem restringir ou até mesmo impedir o crescimento e o sucesso empresarial. Sendo assim, toda e qualquer intervenção visando a transformação cultural pressupõe a avaliação cuidadosa e detalhada de todos esses traços. Sem a pretensão de esgotar toda a metodologia para o diagnóstico da cultura instalada, menciono aqui apenas alguns públicos a serem ouvidos: os diferentes níveis hierárquicos- de acionistas e conselheiros à base da pirâmide, passando por toda a liderança; os colaboradores das diferentes regiões geográficas; fornecedores e clientes. Questionários eletrônicos e focus groups podem ser usados para esse diagnóstico. Esses mesmos públicos devem participar do desenho da cultura desejada ou necessária para a implementação da estratégia e objetivos de médio e longo prazos. A partir da clareza sobre “onde estamos” e “aonde queremos chegar”, se dá a construção do plano necessário para construir a ponte necessária para a transformação, com seus pilares fundamentais, o percurso projetado e o destino almejado, caracterizado, este último, por novas dimensões e práticas da cultura.
Mudança é diferente de transformação cultural. Mudança pode ser feita por decreto, por um bonito comunicado, por uma nova edição do manual de “visão, missão e valores”, tão comum e frequente nas organizações. Algo pode ser mudado de posição, ser levado de um lugar para outro, sem que haja alterações em seu estado ou características. A transformação cultural requer uma intervenção de médio ou longo prazos, com a participação e o engajamento dos vários stakeholders , com um conjunto de ações coerentes e consistentes, possíveis de serem acompanhadas por meio de eventos e métricas.
O projeto de transformação cultural precisa ter um significado, um propósito claro a ser comunicado a todos. Não há engajamento das equipes e lideranças sem clareza e transparência do que se pretende e de onde se quer chegar. Precisa ter a anuência dos sócios controladores e do Conselho de Administração, quando existir. O Diretor Geral /CEO deve ser o sponsor do projeto e a direção da empresa precisa ser verdadeiramente engajada nos objetivos e etapas do processo. As mudanças nos comportamentos e práticas precisam ser observadas a partir da alta gerência, para estimular e influenciar a mudança nos níveis hierárquicos abaixo (“o exemplo vem de cima”). As práticas e rituais de gestão devem ser analisados à luz da nova cultura, sendo que alguns deverão ser eliminados, outros revisados ou atualizados e outros implementados, a fim de garantir aderência ao que se pretende mudar.
O gestor de RH e toda a equipe dessa área, que devem estar próximos dos negócios, das unidades e das equipes, têm um papel fundamental nessa empreitada de transformação, seja coordenando as ações do plano, seja propondo novas políticas e práticas de gestão de pessoas aderentes à cultura desejada, seja apoiando os líderes nas mudanças. Mas aqui cabem dois alertas: a responsabilidade pela construção da ponte não pode ser totalmente delegada a essa área e é preciso considerar também possíveis dificuldades e limitações desses profissionais. A responsabilidade pela transformação tem que ser compartilhada por todos, sob o risco de ficar na superficialidade ou de não se chegar no modelo desenhado.
Fazer a gestão da mudança – change management- requer muitas e diferentes ações, desde o coaching individual dos principais líderes – para trabalhar autoconhecimento e autoconsciência de suas forças e dificuldades para atuar no sentido da mudança organizacional esperada, passando por workshops com as lideranças e rodas de debate e conversa com colaboradores de todos os níveis. Ferramentas de gestão de projetos podem ajudar no acompanhamento das ações e eventos. Igualmente importantes são os instrumentos e os profissionais de comunicação interna, para garantir o suporte na criação de imagens, materiais e textos em cada fase do projeto e a divulgação adequada para os diferentes públicos.
Dificuldades e recuos são esperados no percurso de transformação, visto que comportamentos e práticas instalados tendem a se repetir de maneira mais automática ou por resistência de alguns. O processo e a equipe responsável pelo change management devem acompanhar os possíveis obstáculos ou impedimentos à transformação – individuais ou coletivos – e recomendar ações complementares ou de reforço.
Um processo bem-sucedido é aquele no qual as dificuldades são trabalhadas com transparência e as ações são coerentes entre si e consistentes com os objetivos traçados. Recomendam-se ações top down, entre pares e botton up. A escuta ativa dos profissionais da base da pirâmide é fundamental para a escolha de ações prioritárias e para a comunicação eficaz visando o engajamento de todos. Além do feedback, para retroalimentar o processo, a técnica do feedforward costuma ser mais adequada e poderosa para a construção do futuro desejado e ela se aplica às ações individuais e coletivas.
Transformar a cultura empresarial não é uma jornada fácil. Requer coragem, resiliência, liderança e muito trabalho, mas pode ser o marco crucial para a perenidade de uma organização.
Concluo com algumas frases de Peter Drucker- intelectual, escritor e consultor austríaco,” pai” da administração moderna:
“A melhor maneira de prever o futuro é cria-lo “.
“Quando você vê um negócio bem-sucedido é porque alguém, algum dia, tomou uma decisão corajosa”
“O mais importante na comunicação é ouvir o que não foi dito”
“Mais arriscado que mudar é continuar fazendo a mesma coisa”